sábado, 20 de novembro de 2004

REVOLUÇÃO SILENCIOSA


(Artigo sobre a participação das mulheres nas eleições – novembro/2004)

“Mirem-se no exemplo
daquelas mulheres
de Atenas...” (Chico Buarque)

As mulheres, aos poucos, saem da penumbra política e colocam-se à frente da luta pelo sufrágio nas urnas. Após o término das eleições municipais deste ano e da divulgação de resultados oficiais pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), percebemos que alguns dados são relevantes e de necessária reflexão. A parte boa desta conversa refere-se à constatação de que a mulher, que definitivamente já ocupou espaço no mercado de trabalho com competência e responsabilidade, começa também agora a preencher, ainda que timidamente, as esferas de poder político.
Em um primeiro momento, observamos que há um acréscimo percentual da participação da mulher na eleição, embora ainda seja pequeno. Vivemos em um país onde a desigualdade quanto à participação efetiva das mulheres no campo político é comprovada pelas urnas. Porém, podemos entender que existe uma tendência de mudança cultural.
No cenário nacional das eleições municipais, no primeiro turno, das 1.479 candidatas, foram eleitas 403 prefeitas, representando 7,31% do total de escolhidos para comandar prefeituras. E, no segundo turno, dos 86 candidatos às prefeituras em vários municípios do Brasil, somente sete eram mulheres e destas, apenas duas conseguiram conquistar a eleição. Já na vereança, as mulheres são 12,65% do total de vereadores eleitos em todo o País.
Comparando-se com dados do pleito de 2000, quando as mulheres eram 11,61% dos vereadores e 5,70% dos prefeitos, houve um certo crescimento da participação feminina. Nas câmaras municipais, esta elevação foi de um ponto percentual e, nas prefeituras, de 1,6 ponto percentual.
Historicamente, as mulheres batalharam muito, quebraram paradigmas e conquistaram vitórias na luta por sua efetiva participação na sociedade. Ganhamos direito a voto na década de 30, contudo, entendemos que a mudança cultural se efetiva a cada dia com políticas afirmativas complementares a esta conquista.
Uma dessas ações foi a lei 9504/97 que estabeleceu que cada partido ou coligação deve reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. Um ponto intrigante a ser analisado é que, apesar dessas iniciativas, ainda continuamos lutando por esta igualdade no campo eleitoral, visto que, nas eleições de 2004, nenhum dos 27 partidos em todo o país conseguiu preencher a cota mínima de vagas para candidatas do sexo feminino, conforme análise feita pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) dos dados divulgados pelo TSE no primeiro turno dessas eleições.
De acordo com este mesmo estudo, o estado de São Paulo ficou abaixo da média nacional no tocante ao número de vereadoras eleitas, obtendo 11,01% contra os 12,65% registrados no Brasil.  Quanto às prefeituras, o estado de São Paulo situa-se entre os piores índices, com 4,74% de prefeitas eleitas. Se fizermos uma reflexão sobre o estado de São Paulo, considerado um dos maiores pólos de desenvolvimento urbano do planeta, concluímos que é necessário um maior esforço no sentido de estabelecer ações afirmativas para concretizar a maior participação das mulheres.
O eleitorado brasileiro é composto por 51,18% de eleitoras e 48,66% de homens. Todavia, verificou-se que ainda existem traços de uma mentalidade patriarcal bastante arraigada na sociedade brasileira. Outros fatores, como o perfil masculino dos partidos e o elitismo do sistema eleitoral, segundo o estudo do Cfemea, também devem ser considerados como influência da realidade da mulher nessas eleições.
Embora entenda que, em momento algum, as mulheres precisem de cotas ou privilégios, precisamos fazer valer o que estabelece a lei. Compreendemos que é necessário pensarmos em ações concretas que possibilitem que a atual e díspare configuração eleitoral, no que concerne à participação feminina, seja alterada. Caso contrário, levaremos décadas para ter dados igualitários no cenário eleitoral.
Um dos grandes entraves que a mulher enfrenta no meio político é o pensamento machista e retrógrado. Não podemos abrir brechas a piadas sarcásticas do tipo ”Meu bem, você quer um lugar ao sol, então vamos construir um teto solar na cozinha”. Se não houver uma efetiva reação a essa situação, e a mudança cultural continuar sendo nos ínfimos níveis registrados atualmente, o equilíbrio entre os sexos tardará a ser concretizado. Precisamos nós, mulheres, mudar esta realidade assumindo a responsabilidade em acelerar o processo de equiparação, prezando por um dos princípios básicos da Constituição de nosso país, que é “igualdade para todos”.