Tentei durante uma noite convencer um amigo sobre a
necessidade de cada um de nós escrevermos nossa responsabilidade social. No
meio da conversa, às três da madrugada, um menino de sete anos vendia flores.
Após sua saída, olhei bem nos olhos desse amigo e disse: “que diferença esta
criança tem em relação ao seu filho?”.
Meu amigo, surpreso, argumentou coisas absurdas, ao
ponto de dizer se não seria culpa dos pais da criança a colocarem naquela
situação.
Firmei meus olhos, indignada, e respondi: “nem ele
é culpado. Que culpa esta criança teve?”. Como ele não conseguia dizer qual a
diferença, eu tomei a frente e respondi: “esta criança teve seus sonhos
roubados pela vida, sua infância violentada em cada minuto e suas expectativas
de um mundo melhor frustradas, pois, como você, a maioria das pessoas se nega a
pensar e agir com responsabilidade social. Esta criança estava realmente ali às
três da madrugada com uma única expectativa de futuro: ter o que comer após
vender algumas flores. Esta criança estava ali a olhos nus, coração triste e
com a face que raramente exercita os movimentos de um sorriso. Esta criança
poderia muito bem ser seu filho, que sabe pouco de sofrimento e entende a
palavra amor; mas, sem nenhuma culpa, ela está na rua esperando não só vender
as rosas, mas esperando o que a vida talvez não possa lhe dar”.
Meu amigo olhou nos meus olhos e me disse: “sozinho
não posso fazer nada. Comprar uma rosa não resolve o problema. Não posso lutar
contra a realidade”.
Sem titubear, respondi: “você não resolve o
problema da realidade, mas pode torná-la menos dura. Com pequenos gestos, um
olhar carinhoso, você pode trazer esperança àquela criança que todas as
madrugadas, para muitos, é confundida com uma figura normal da realidade. Nem
precisa compra a rosa, se isso para você é errado, mas o convide para sentar,
comer alguma coisa. Ganhe sua noite tentando arrancar um sorriso dessa criança
e fazer brotar em seus olhos a esperança”.
Responsabilidade social é muito mais do que isto, é
trabalhar seriamente políticas públicas contra desemprego, fome e violência.
Certamente, esta criança nunca mais vai esquecer
essa noite, e uma nova expectativa vai surgir na vida dela. Além de vender
rosas para comer, ela vai esperar encontrar alguém que se preocupe com ela, num
mundo onde a maioria já a trata como figura de uma realidade.
Priscilla Maria Bonini Ribeiro – Texto do livro “Entre Letras e
Linha”, de minha autoria, editado pela Editora Comunnicar
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